Nossa identidade, expressa na logomarca de mãos humanas acariciando o milho, é uma alusão ao trabalho de plantar e colher, uma alusão à generosidade da terra para aqueles que trabalham de modo simples. É, também, uma homenagem dupla. Primeiro, homenageamos o milho (Zea mays), nossa legítima planta sul-americana, cultivada por causa dos seus grãos nutritivos, e que foi capaz de alimentar o desenvolvimento de “civilizações do milho”, como a dos incas. Povos milenares como estes, mestres em cortar e unir grandes blocos de pedra, cuja cidade-fortaleza de Machu Picchu é o exemplo mais espetacular dessa arte, foram dizimados pela barbárie colonizadora dos europeus. Portanto, nossa imagem metafórica utiliza o milho para lembrar a memória dos povos latino-americanos, suas lutas, sua cultura, sua sobrevivência. Segundo, já que as espigas femininas do milho apresentam estigmas tão longos que lembram fios de cabelo de mulher, homenageamos a mulher latino-americana e brasileira. Nossa mulher-símbolo é Ana Lins do Guimarães Peixoto Bretas, a Cora Coralina, que nasceu em Goiás em 1889 e viveu 96 anos, dos quais 78 foram dedicados à escrita, embora tivesse apenas o curso primário. Cora também soube reconhecer o valor do “milho”, sobre o qual escreveu em vários poemas (veja um exemplo abaixo). Dentre os inúmeros prêmios e homenagens que recebeu, talvez o mais importante para ela tenha sido o que lhe outorgou a Universidade Federal de Goiás. O de Doutora Honoris Causa, como “Doutora feita pela Vida”.
ORAÇÃO AO MILHO
(Cora Coralina)
Senhor, nada valho.
Sou a planta humilde dos quintais pequenos
e das lavouras pobres.
Meu grão, perdido por acaso,
nasce e cresce na terra descuidada.
Ponho folhas e haste, e, se me ajudardes, Senhor,
mesmo planta de acaso, solitária,
dou espigas e devolvo em muitos grãos
o grão perdido inicial, salvo por milagre,
que a terra fecundou.
Sou a planta primária da lavoura.
Não me pertence a hierarquia tradicional do trigo,
de mim não se faz o pão alvo universal.
O justo não me consagrou Pão de Vida
nem lugar me foi dado nos altares.
Sou apenas o alimento forte e substancial
dos que trabalham a terra,
alimento de rústicos e animais de jugo.
Quando os deuses da Hélade corriam pelos bosques,
coroados de rosas e de espigas,
e os hebreus iam em longas caravanas
buscar na terra do Egito o trigo dos faraós,
quando Rute respigava cantando nas searas de Booz
e Jesus abençoava os trigais maduros,
eu era apenas o bró nativo das tabas ameríndias.
Fui o angu pesado e constante do escravo
na exaustão do eito.
Sou a broa grosseira e modesta do pequeno sitiante.
Sou a farinha econômica do proprietário, sou a polenta
do imigrante e a amiga dos que começam a vida
em terra estranha.
Alimento de porcos e do triste mu de carga,
o que me planta não levanta comércio,
nem avantaja dinheiro.
Sou apenas a fartura generosa
e despreocupada dos paióis.
Sou o cocho abastecido donde rumina o gado.
Sou o canto festivo dos galos
na glória do dia que amanhece.
Sou o cacarejo alegre das poedeiras
à volta dos ninhos.
Sou a pobreza vegetal agradecida a vós,
Senhor,
que me fizestes necessário e humilde.
Sou o milho!